Angela Vidal Gandra da
Silva Martins
Temos
vivenciado um supremo ativismo em legislação positiva fora de competência e
distante de uma interpretação fundamentada na letra e no espírito da
Constituição.
A ADPF 442,
já há alguns anos, buscou espaço oportunista nesse nicho, de forma
politicamente imatura, pedindo a benção paternalista do Judiciário e evitando
discutir a questão do aborto entre iguais, no locus democrático: a casa do
povo.
O aborto
jurídico começa aí: usurpação de competência, por suposta omissão - sem
mencionar os inúmeros projetos em trâmite nem as claras obstruções de pauta -
esquecendo-se que o único dever do guardião é exigir do Congresso o que lhe
cabe, conforme o artigo 49,XI da Constituição Federal.
Só faltaria
ainda, aprová-lo em plenário virtual, à margem da participação pública, de
forma açodada, e, em convocação repleta de vícios procedimentais. Nesse
sentido, agradecemos o sensato pedido de destaque do Ministro Barroso.
Por outro
lado, em completude sistêmica, nossa legislação é pro-vida. A Carta Magna
defende, no capítulo de seu artigo 5, a inviolabilidade da vida humana, ou
seja, incondicionalmente. O Código Civil reconhece o Direito do nascituro em
seu artigo segundo; o Pacto de São José, legislação equivalente a emenda,
conforme dita o artigo 5, 2 e 3 da Constituição, propugna o direito à vida
desde a concepção no caput de seu quarto artigo; o Estatuto da Criança,
estabelece dever de proteger a vida da criança, de acordo com seu artigo 7 e o
Código Penal, em seu artigo 128, somente despenaliza o aborto em dois casos
limites, sem porém, deixar de classificá-lo como crime.
Paralelamente,
invocamos ainda a legislação internacional no âmbito dos Direitos Humanos. De
fato, quando surge alguma dúvida no âmbito jurídico constitucional, é praxe
recorrer à vasta experiência e prática histórica e consolidada do Direito
Internacional, como sabiamente atuou a Suprema Corte Americana, recentemente,
na reversão do caso Roe x Wade, que legalizara o aborto no país.
Nesse
sentido, como é óbvio não se encontra nenhuma Constituição, Tratado ou
Declaração que sustente o aborto como um direito humano, como bem exposto na
petição de amici curiae assinada por 141 acadêmicos do mundo em apoio ao Estado
do Mississipi, no caso supracitado.
Muito pelo
contrário, destaca-se o dever do Estado de proteger a vida e a criança, desde o
ventre materno, bem como o melhor interesse desta, em todas as situações.
Oportuno
ainda evocar que, nos poucos países que admitem a pena de morte em casos
limítrofes, é proibida a execução de mulher grávida, pela vida que hospeda em
seu corpo.
O que vemos
porém, também nessa esfera, similar ao que acontece em nosso país é um ativismo
político, econômico e ideológico para promover resoluções, que nem chegam ao
status de soft Law, atribuindo-lhes caráter vinculante e impondo-as aos Estados
em oposição à sua soberania.
Por fim,
para descer a uma esfera do Direito ainda mais profunda, podemos afirmar que
não há argumento jurídico- filosófico que conceda à mulher o direito de
abortar, como se amputasse um membro de seu corpo - que, por sinal, não
surgiu por geração espontânea, pertencendo também a outro ser humano que lhe
deu origem - ou, de definir, recorrendo a uma ficção legal, sem embasamento
científico ou conhecimento específico para tal, quando a vida começa, ainda que
um DNA já esteja plasmado nesse “amontoado de células”, para justificar o
crime.
O falso
critério, que busca mil razões sem razão ou razoabilidade, para acobertar o
utilitarismo reificante do ser humano, é o mesmo que há séculos atrás definiu a
pessoa negra como “res”, ou seja, coisa.
Portanto,
se somos capazes de lamentar os horrendos crimes cometidos pela escravização de
nossa própria raça, acredito também que podemos ser sensíveis às vidas que
colocaremos no lixo, proliferando relações anti-humanas, quando o Direito está
para fortalecer as relações sociais.
Nesse
sentido, como diria o jusfilósofo de Harvard, Lon Fuller - Forms Liberate! - a
forma do Direito nos liberta. E completando, afirma: “ if we do the things in
the right way, we are likely to do the right thing” : se fazemos a coisa da
maneira certa, estamos propensos a fazer a coisa certa.
Aplicada ao
caso, se não abortarmos o Direito, certamente preservaremos a liberdade de
viver, como óbvio primeiro direito humano, sem o qual nenhum outro pode ser
exercido.
Angela Vidal Gandra da
Silva Martins - Professora de Filosofia do Direito da Universidade Mackenzie;Sócia
da Gandra Martins Law&n bsp;Gerente
Jurídica da Faesp;Presidente do Instituto Ives Gandra de Direito,
Filosofia e Economia;Ex- Secretaria Nacional da Família do Ministério da
Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
*Este
artigo não representa, necessariamente, a opinião do Blog sobre o tema.